ARTE como INSPIRA-AÇÃO
Foto Herikson Souza
Viagem é oportunidade. Presente
surpresa. Oportunidade de surpreender-se.
Botamos o pé e os instrumentos na
estrada para mais um encontro.
O primeiro fora do estado de São
Paulo. Destino: Paraná, que significa ‘Grande Rio semelhante ao Mar’.
O encontro se deu mais
especificamente em Paranavaí, uma pequena cidade do noroeste do estado. A
Cidade Poesia.
O nome da cidade é um neologismo
criado pela junção dos nomes de dois rios: o Paraná e o Ivaí. A mistura de nomes indígenas traz o sabor da
farofa brasileira.
Além de cidade poesia, que traz
farofa no nome, Paranavaí é cidade de origem. Da minha origem. E fiquei muito
feliz de poder retornar à cidade que nasci, cresci e vivi até os 16 anos, e me
reencontrar com ela através da arte e em companhia de meus parceiros-irmãos de
trabalho.
Participamos do VII Festival de
Teatro da cidade. A apresentação aconteceu na praça do Teatro Municipal, uma
construção nova, centro irradiador de arte e inspiração.
A plateia era formada por
artistas locais e de fora, parentes próximos, amigos de infância, desconhecidos
conterrâneos... bebês, crianças, jovens,
adultos, idosos, formando o nosso semicírculo mestiço do encontro.
Bem no meio da meia lua estavam
duas presenças muito especiais para essa viagem de retorno à cidade de origem:
meu avô de 86 anos, Vô Paulo, e a avó do Thiago, Vó Ilda, que, não por acaso,
mora ali, pertinho, numa outra pequena cidade.
Todas as presenças são essenciais
em um encontro. Mas hoje peço licença para falar da presença dos avôs.
Vô e vó estavam de coração aberto
à experiência. E quando o encontro começou, ele já não era o meu avô ou a avó
do Thiago, eles eram as presenças anciãs. Os corpos esculpidos pelo tempo em
nenhum momento se desajeitaram na cadeira. Dos olhos atentos e profundos saíam
faíscas do novo.
A presentificação da narrativa
ganhou outra dimensão. Ao recontar a história antiga de João, olhando nos olhos
dos avôs - os senhores das experiências – compreendi sentidos e tive percepções
da narrativa até então desconhecidos. A narrativa saia de mim, passava por eles
e voltava outra: repleta, renovada, refinada pelo encontro.
Palavras abriam caminhos e
(re)faziam conexões. Uma comunicação outra, possibilitada e protegida pelo encontro
artístico, deu-se: com a presença anciã e com o lugar de origem.
Do encontro, saio com a sensação
de que também algo mudou na paisagem interna dos presentes a partir da
experiência.
Na semana seguinte a apresentação,
minha mãe me liga contando que sugeriu ao meu avô que desse flores a sua esposa
no dia dos namorados. Ele adorou a ideia e escreveu um cartão que dizia mais ou
menos assim: ‘Para a minha formiguinha, do seu eterno namorado’. Em mais de 40
anos de casados ele nunca havia dado flores a sua segunda companheira de vida.
Creio que ventos sopraram na
paisagem interna e reverberam na paisagem externa.
Renata Vendramin